> Respostas 1 em 07/12/2011

NOTA INTRODUTÓRIA

As respostas abaixo são uma extensão natural ao projeto Sonhação. Desde sua introdução, em março de 2011, tínhamos a percepção que um canal mais direto com os professores seria uma força efetiva de troca de ideias. Faltou o pontapé inicial, que ocorreu há poucas semanas. Um professor deu voz aos seus anseios, e decidimos que era hora de amplificar estas dúvidas que certamente ocorrem com os demais colegas.

O objetivo deste espaço é responder de forma direta às dúvidas que forem surgindo durante o processo. Não se trata de um tratado acadêmico, pois não pretendemos defender esta ou aquela visão pedagógica, mas um veículo de comunicação.

Temos uma realidade: os alunos estão na nossa frente agora! O que podemos fazer? Neste sentido, não queremos tornar este espaço um desfile bibliográfico de autores e correntes pedagógicas, mas explicitar algumas forças que nos moveram, mostrar um pouco das nossas crenças, contar histórias dos bastidores, demonstrar alguns resultados do Sonhação, que acreditamos sejam do interesse de todos.

 Como é natural que ocorra, algumas visões poderão se tornar incompatíveis, pois lidamos com pessoas, que tem histórias e convicções anteriores. Nossa proposta é dar chances para certas visões até que os fatos comprovem (considerando o contexto) que o benefício esperado não se concretize.

Para terminar antes de começar: alguém já disse algo sobre educação: “Precisamos de exemplos, não de opiniões.” Iremos, na medida do possível, mostrar situações e resultados que ajudem a contextualizar melhor as respostas, a fim de aproximar nossas explicações com os resultados que estamos colhendo.

Uma grande jornada precisa de um pequeno passo para começar. Lá vamos nós!

PERGUNTA:

* A Prova Brasil, assim como as provas do Sonhação (provas Brasil de anos anteriores), são totalmente conteudistas.
Este ano, no município de Campo Bom, iniciamos o ano letivo com palestras falando completamente ao contrário.
Falando sobre múltiplas habilidades, deficiências múltiplas, currículo adaptado/modificado, entre outras coisas.
Tudo isto para atender a nova geração de alunos que estamos recebendo.
Inclusive, nós professoras somo cobradas constantemente sobre a aplicação de atividades desta forma, privilegiando esta maneira de dar aula (não conteudista, não tradicional).
O município inclusive, contratou e fez parcerias com profissionais especializados nesta área e o discurso do município está voltado para este sentido.
Eu, como professora, preciso adaptar, modificar os conteúdos, a forma de dar aula, para atender as diferentes necessidades dos meus alunos e as exigências da prefeitura.
Muito bem, agora eu constato:
Há uma grande diferença aí, não?
Então, como aplicar provas conteudistas e tradicionais, quando o discurso do município é completamente diferente?
Inclusive na aplicação da prova, tradicional ao extremo: tempo para execução, sem consulta, sem auxílio, sentados um atrás do outro, cabeça baixa, cada um por si e sem a presença do professor.
Como já disse antes, não é esta forma de ensino que o município quer, não é?
Então como ficamos?
Dou a aula tradicional e preparo meus alunos para  a Prova Brasil ou sigo o que a prefeitura apoia e não ganho o direito a assistir filmes, nem ficar em primeiro lugar no ranking?

 

RESPOSTA:

´           É importante separar as coisas, pois estamos tratando de processos seculares de ensino e um novo processo de avaliação externa que não tem 2 décadas ainda.

Primeiro. Nossa geração foi fruto do conteudismo. Fomos ensinados a decorar fórmulas e datas históricas, acatar a verdade vinda do professor como inquestionável e depois devolver através de avaliações. Este modelo de educação levou os nossos pensadores educacionais a perceber que a realidade prática estava muito distante da realidade da escola.

Por dever de ofício, temos que cuidar de um item muito importante: não ensinar da mesma forma como fomos ensinados. São contextos totalmente diferentes. No meu tempo de “1900 e jurassic park” qualquer dúvida tinha que ser resolvida na biblioteca, buscando livros, fazendo cópias no caderno, etc. Hoje, o aluno resolve uma dúvida num clique. São mundos diferentes.

Segundo. Sai o conteúdo entra a competência. Eu já entrei em tanta discussão sobre isso, que é mais fácil eu falar da metáfora do que explicitar o conceito. Vamos imaginar um jogo de futebol, cujo objetivo maior é fazer gols.

Na nossa escola conteudista, o jogador de futebol era obrigado a decorar os tamanhos dos campos de futebol, as regras, as exceções, as características das bolas de futebol. Depois de muito tempo aprendendo os conteúdos sobre futebol, os alunos eram convidados a irem até um estádio e jogar um jogo de verdade. O resultado? O fracasso, claro. Tudo o que eles aprenderam não tinha aplicação na hora do jogo. De que me adianta saber a circunferência da bola, se ela entrou 4 vezes na minha goleira e eu perdi o jogo? Foi esta percepção que trouxe a competência à tona.

A escola da competência é pragmática. Serve para quê? Onde se aplica? Que problema eu resolvo com isso? Se o jogador não aprende a fazer gols, de que adianta estudar a potência dos seus chutes?

A Prova Brasil é uma prova de competências, não de conteúdos. É muito fácil trocar (desculpe o trocadilho) as bolas. Queremos que nossos alunos façam gols. Para tanto, eles precisam aprender a cabecear (para fazer gols), driblar (para fazer gols), correr (para fazer gols) e chutar (para fazer gols). Se o objetivo, o problema a ser resolvido, foi solucionado o aluno conseguiu organizar seus conhecimentos e habilidades para resolver um objetivo prático.

Nosso propósito mudou. Antes, o conteúdo era o objetivo. Agora, a competência é o objetivo. Se não resolver uma situação prática, há uma boa chance de que estejamos enchendo as cabeças dos alunos com conteúdos sem conexão com a realidade.

 A Prova Brasil explicita as competências (chamadas de descritores), mas em alguns momentos, elas parecem conteúdos. “Chutar a gol” é uma habilidade embutida numa competência, porque o ato de chutar não necessariamente leva ao gol.

Aqui um exemplo prático do Sonhação:

  • Em      Matemática, tivemos na Avaliação Diagnóstica 1 (5º ano) um baixo índice de      acertos no descritor 22 – “Identificar      a localização de números racionais representados na forma decimal na reta      numérica”. Pois bem:
    • Conteúdo:       números racionais em forma decimal
    • Competência:       identificar a localização deles para       resolver um problema de finanças numa empresa de calçados. “Qual       material devo utilizar quando atingir tal nível de estoque?”
    • Ponto       de partida e chegada:       tivemos 21% de acertos na Avaliação Diagnóstica 1 e 63% na Avaliação       Diagnóstica 2, ou seja, melhoramos. Em tudo? Claro que não. Melhoramos       num ponto específico, uma competência específica. Miramos no alvo e       acertamos.

Portanto, não há incoerência, mas talvez estejamos no limite da transição entre o modelo conteudista e o modelo da competência. As equipes pedagógicas de todas as escolas municipais estão finalizando agora, em novembro de 2011, a Nova Matriz de Competências do município, que entrará em aplicação em 2012. Sabemos de antemão que não será fácil abandonar o modelo anterior, porque antes éramos cobrados por “ter dado a matéria”. Com o modelo de competência, seremos cobrados por “resolver um problema específico.” É diferente.

Outra coisa importante: a metodologia da Prova Brasil. É preciso, em nome da coerência científica, que se adote o mesmo padrão para todas as escolas do Brasil e que este padrão seja repetido a cada período, para que tenhamos como comparar uma prova com outra ao longo do tempo.

Por exemplo, uma prova em duplas, algo bastante comum no nosso dia a dia de escola (trabalha com a construção de conhecimento, a interatividade e negociação entre alunos), não seria viável na Prova Brasil, já que o arranjo das duplas poderia criar um viés no resultado. Exemplificando: se ao invés de eu colocar alunos iguais numa dupla (bom com bom, ruim com ruim), eu coloco um bom e um ruim? A nota média provavelmente aumentaria porque o aluno bom acaba fazendo a prova para o ruim. Quem garante que eu não esteja “forjando os resultados” ao agir desta forma?

A metodologia da Prova Brasil é tradicional, equalizadora e limitante, para que as variáveis que afetem o resultado (arranjo de alunos, acesso aos cadernos, possibilidade de conversar com os colegas, entre outros) sejam controladas para evitar de alterar a avaliação.

É diferente da nossa proposta pedagógica? É, pela questão da metodologia da avaliação, já que temos de seguir uma regra que não foi criada por nós, mas que tem veracidade científica. Aí entra a discussão dos instrumentos de avaliação, que não irei me alongar porque foge do objetivo deste veículo. A Prova Brasil é apenas mais um instrumento, com características específicas, que nos beneficia ao tornar públicos os resultados de todas as escolas do Brasil.

Você deve se preocupar com a Prova Brasil ou com seus instrumentos de avaliação? Ambos, porque no final das contas, todos querem a mesma coisa: competência. Um aluno que faz um teatro bacana teve tanto esforço quanto outro que fez a Prova Brasil. Eles precisam estar prontos para ambas as formas de avaliação – a limitada (Prova Brasil) e a ampliada (teatro).

Nossos alunos terminam o ensino básico e vão fazer uma prova no Liberato. Qual a metodologia desta prova? A tradicional, isto é, alunos sentados individualmente, um atrás do outro, etc. Outros vão desenvolver suas habilidades artísticas que a escola despertou. Qual metodologia? A ampliada.

Portanto, em qual canoa devemos colocar os pés? Nas duas, porque a Prova Brasil (Prova do Sonhação) nos fornece informações preciosas sobre todas as escolas, enquanto que a avaliação menos restritiva nos permite desenvolver habilidades e competências que o papel não mede. É desafiador, mas este é o jogo.

É importante destacar que o Sonhação não pretende replicar a Prova Brasil, o que seria considerado uma duplicação de esforços. Para diferenciar as duas propostas, veja as seguintes características:

  • Prova      Brasil demora 6 meses para entregar os resultados. Sonhação demora 1      semana;
  • Prova      Brasil não enxerga indivíduos, mas turmas, escolas, cidades e estados.      Sonhação enxerga indivíduos, turmas e escolas dentro da nossa cidade      exclusivamente;
  • Prova      Brasil tem foco diagnóstico sem ações imediatas que ajudam o professor      efetivamente. Sonhação tem:
    •  um elemento de avaliação externa (as       avaliações diagnósticas);
    •  ações de complementação das aulas (os       jogos temáticos);
    •  ações de colaboração entre os       professores (planos de aulas e projetos);
    • ações       de capacitação pedagógica (nos seminários municipais de educação);
    • ações       de reconhecimento (cinema para os alunos e horas de capacitação para os       professores);
    • ações       de motivação (vídeos das escolas, gritos de guerra e realizações/prêmios);
    • ações       de pesquisa aplicada, que viram informação para a melhoria das aulas;

Portanto, conviver com os dois processos (Prova Brasil e Sonhação) nos dá uma visão ampla e específica ao mesmo tempo. Temos uma resposta mais rápida, entendemos melhor nossa realidade para poder modificá-la.

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